Telemedicina em tempos de pandemia
Em tempos de pandemia e isolamento social, ficamos ainda mais dependentes das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Nesse momento, o teletrabalho está causando profundas e inspiradoras mudanças em diferentes áreas. Acredito que, após a pandemia, os novos hábitos e comportamentos adquiridos forçarão mudanças na legislação, objetivando adequações ao que deverá ser o novo “normal” em diferentes contextos. Na área da saúde, a prática da telemedicina, por exemplo, passou por algumas mudanças temporárias, com o objetivo de apoiar o enfrentamento da crise causada pelo novo coronavírus.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), na resolução CFM nº 1.643/2002 (restabelecida pela resolução 2.228/2019), artigo 1º, telemedicina é o “exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde”. No artigo 2º, é definido que seus serviços “deverão ter a infra-estrutura tecnológica apropriada, pertinente, e obedecer às normas técnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional”.
Segundo o site Exame, havia uma grande resistência, inicialmente, na prática da telemedicina, principalmente por parte dos conselhos regionais de medicina (CRM), consequência, talvez, de limitações da infraestrutura tecnológica (hardware e software), redução da continuidade do atendimento devido a possíveis trocas de médicos, entre outros problemas técnicos, éticos e jurídicos. Assim, atendimentos on-line eram permitidos experimentalmente em apenas alguns hospitais, até a escalada dos casos de COVID-19 e a consequente necessidade de redução do fluxo de pessoas em postos de saúde e prontos-socorros.
Essa necessidade levou a uma regulamentação temporária da telemedicina, feita às pressas e publicada no dia 20 de março, contemplando as redes pública e privada de saúde e tendo principal foco a triagem e monitoramento de pacientes em isolamento. Alguns centros médicos que já ofereciam esse tipo de serviço sem a anuência do CFM relatam que tiveram uma expressiva alta nos atendimentos on-line.
No Hospital Albert Einstein, por exemplo, o número de teleconsultas realizadas diariamente passou de 80 para 600. Planos de saúde que usam a plataforma do referido hospital também relatam que a demanda por teleconsulta cresce a cada dia, sendo necessário um olhar mais cuidadoso no que diz respeito à regulamentação da prática e formação de profissionais especializados.
“Essa regulamentação da telemedicina, mesmo que temporária, deverá inspirar uma série de novas tecnologias e serviços com o objetivo de facilitar o acesso à saúde, mesmo nos lugares mais carentes e distantes do país”
Apesar da expressiva alta nas teleconsultas, há uma série de dificuldades apontadas por diversos especialistas, entre eles Antonio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da Associação Paulista de Medicina (APM). Segundo Endrigo, apesar de vir em boa hora, considerando a pandemia do novo coronavírus, a falta de normas prévias e de boas práticas bem definidas fez com que muitos médicos adotassem as ferramentas que estavam disponíveis, como Skype, WhatsApp e outros aplicativos, desconsiderando aspectos como segurança e privacidade dos dados.
Com o intuito de atuar nessa questão, especialistas afirmam que os atendimentos médicos on-line devem seguir uma série de protocolos e regras, para torná-los mais seguros, entre os quais se destacam: a) uso de plataformas adequadas para esse tipo de atendimento, pois aplicativos populares de mensagens e reuniões podem ocasionar vazamento de dados; b) confirmação de credenciais do médico nos sites dos CRMs ou em sites oficiais que oferecem os serviços; c) exigência de envio de laudos e prescrições devidamente assinados e certificados digitalmente.
Essa regulamentação da telemedicina, mesmo que temporária, deverá inspirar uma série de novas tecnologias e serviços com o objetivo de facilitar o acesso à saúde, mesmo nos lugares mais carentes e distantes do país. Espero também que inspire grandes mudanças na legislação e aumento nos investimentos em saúde.
Escrever em um documento que “saúde é um direito” não o torna magicamente disponível a todos os cidadãos.
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 03/05/2020