A tecnologia blockchain e a desburocratização dos cartórios
Segundo matéria publicada no blog de tecnologia TILT (de propriedade do UOL, um dos maiores portais de notícias do país), no dia 31 de outubro, o Brasil registrou o primeiro bebê eletronicamente com a tecnologia blockchain. De acordo com a reportagem, toda a burocracia cartorária exigida para a emissão da certidão de nascimento foi realizada sem a necessidade de presença dos pais, mas dentro do que exige a lei.
A empresa que tornou essa desburocratização possível é a Growth Tech, reconhecida por criar soluções baseadas em tecnologias que usam blockchain e ciência de dados. Por meio de uma plataforma identificada como Notary Ledgers, que funciona como um cartório virtual, foi possível aos pais da criança criar uma identidade digital, gerar a certidão, assiná-la digitalmente e registrá-la em uma blockchain privada, tudo on-line. A tecnologia é fornecida pela gigante IBM, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo.
Hugo Pierre, CEO da Growth Tech, explica: “No momento do nascimento, um dos membros da equipe de parto faz a declaração de nascido vivo diretamente em nossa ferramenta. Em seguida, quem for registrar a criança cria sua identidade digital com base na validação de dados pessoais junto a órgãos oficiais, além de um poderoso reconhecimento biométrico facial”. Assim, após a inserção das informações na plataforma, a certidão é gerada em, no máximo, 15 minutos.
É importante ressaltar que isso foi possível graças a uma parceria que a Growth Tech firmou com o 5º Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e a Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro. Antes de ser implantado, o processo foi testado, provando sua efetividade em diversos cenários. Segundo Pierre, apesar de algumas maternidades possuírem cartório, a emissão não é algo simples, visto que o pai normalmente enfrenta filas e outros problemas típicos da burocracia cartorária. Assim, essa solução digital poderá auxiliar principalmente o registro de nascimentos em hospitais públicos, onde muitos ocorrem diariamente.
“Por meio de uma plataforma identificada como Notary Ledgers, que funciona como um cartório virtual, foi possível aos pais da criança criar uma identidade digital, gerar a certidão, assiná-la digitalmente e registrá-la em uma blockchain privada, tudo on-line”
Outro caso de aplicação da tecnologia blockchain na desburocratização cartorária foi publicado pelo site Valor Investe em 29 de agosto. Segundo a matéria, a incorporadora MRV realizou algo semelhante ao registro de nascimento, mas, nesse caso, relativo à venda de um terreno na cidade de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. A MRV também usou a plataforma da Growth Tech.
Para entender o que é a blockchain, basta imaginar um grande “livro contábil”, capaz de armazenar informações sobre ativos e transações. Porém, diferentemente de um livro físico, os registros são criptografados e armazenados em diversos computadores espalhados pela internet. A palavra blockchain pode ser traduzida literalmente como “cadeia de blocos” e caracteriza o funcionamento básico da tecnologia. Quando um registro (ou bloco) é criado, ele é imutável e obrigatoriamente deve fazer referência ao registro anterior (se houver), de modo que todas as transações possam ser rastreadas de ponta a ponta. Além do mais, cópias desse registro são transmitidas para cada participante da rede, que pode validá-lo, gerando confiança. Obviamente, cada bloco deve ser assinado digitalmente, o que atesta sua autenticidade.
Como mencionado nesta coluna, no dia 2 de setembro de 2018, no artigo “O fim dos cartórios”, a tecnologia blockchain está deixando de ser apenas uma ideia distante para se tornar uma tendência. De fato, há diversas startups e iniciativas pelo mundo atuando para que essa tecnologia seja utilizada como mecanismo que identifique, qualifique e traga segurança e confiabilidade aos registros, garantidas pela fé pública delegada pelo Estado.
É claro que essa possível adequação dos cartórios, símbolos máximos da burocracia estatal, deverá passar pelo poder legislativo e enfrentar grandes barreiras impostas pelo lobby dos grupos de interesse envolvidos. Entretanto, essa é uma discussão necessária, visto que pode ajudar a simplificar processos burocráticos por natureza, impactando positivamente o cidadão. Será que os burocratas estão dispostos a simplificar nossas vidas, mesmo que isso signifique renunciar a uma grande receita vinda de taxas e emolumentos? Eu duvido!
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 10/11/2019 .