Como as organizações transformam nossos dados em dinheiro
As tecnologias baseadas na internet fazem parte do nosso cotidiano de maneira muito mais profunda do que imaginamos. Independentemente do que você faça, seja pagar uma conta, acessar um site de compras, postar ou reagir no Facebook, compartilhar uma foto no Instagram, responder a um e-mail, enfim, seja lá o que você estiver fazendo, há uma espécie de Big Brother monitorando seus passos. O comportamento dos usuários na grande rede gera uma quantidade imensurável de dados, chamada pelos especialistas de Big Data, o que constitui uma valiosa matéria-prima para as organizações que atuam na internet. O processamento dessa vasta quantidade de dados não é algo trivial e exige grande poder computacional, além de algoritmos capazes de transformar dados desestruturados em informações que fazem sentido e, principalmente, podem oferecer algum tipo de vantagem competitiva.
Um dos exemplos mais clássicos de como as organizações transformam os dados dos usuários em dinheiro é a Target, gigante varejista dos EUA. Tudo começou quando o departamento de marketing abordou o estatístico da organização, Andrew Pole, a fim de saber se seria possível descobrir quais clientes estavam grávidas mediante dados de compra. Pole disse que precisava de dados históricos a fim de criar modelos estatísticos capazes de prever fenômenos. Assim, foi criado um serviço chamado “Registro de Bebês”, em que as clientes grávidas registravam sua gravidez e informações sobre o parto. Com milhares de clientes, grávidas ou não, comprando diariamente no site da Target, foi possível cruzar dados, identificar padrões de compra e criar um modelo estatístico que previa com bastante precisão se a cliente estava grávida ou não, incluindo aquelas que não haviam fornecido informação alguma sobre sua gravidez. Em 2012, segundo o site do jornal New York Times, houve o caso de um pai que pediu explicações à Target por enviar publicidade relacionada à gravidez para sua filha. Para desespero dele, sua filha, que ainda cursava o ensino médio, estava realmente grávida e o seu neto nasceria em agosto.
“Independentemente do que você faça, […] há uma espécie de Big Brother monitorando seus passos na Internet”
Esse exemplo da Target é apenas um entre milhares de empresas que exploram a grande quantidade de dados gerada diariamente pelos usuários da grande rede. Um outro exemplo típico são os anúncios. Basta apenas uma visita a um site de compras para que anúncios baseados em seu comportamento navegacional o “persigam” por diversos dias. Mesmo que o usuário não esteja “logado”, sites usam cookies e pixels de rastreamento capazes de identificar comportamentos prévios e sugerir produtos nas áreas de anúncios nos mais diversos sites. Os aplicativos móveis não ficam de fora, pois também são capazes de fornecer dados comportamentais, possibilitando a geração de informações estratégicas. Assim, empresas que vendem publicidade, como a Google, e sites de e-commerce são capazes de transformar nossos dados e comportamentos on-line em dinheiro.
“Consumimos aquilo que queremos ou apenas o que as organizações sugerem?”
O grande problema aqui é que quase nunca sabemos que estamos “revelando nossos segredos” às grandes organizações. Quem já leu por inteiro os termos de uso de sites e aplicativos? Quem rotineiramente faz uma limpeza dos dados navegacionais? Quase ninguém, certo? Diante desse contexto, a União Europeia criou uma legislação conhecida como Regulamento Geral para Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), que entrou em vigor em maio deste ano. De maneira geral, o GDPR diz que as empresas devem deixar muito claro aos clientes o que irá fazer com os dados coletados, deixando que eles escolham se querem permitir ou não sua utilização.
De fato, estamos diante de mais um dilema que envolve ética e privacidade sobre os dados dos usuários da rede. Além do mais, podemos considerar que nossos desejos e preferências podem estar sendo redefinidos segundo os critérios de um ou mais algoritmos, e isso é assustador. Consumimos aquilo que queremos ou apenas o que as organizações sugerem?
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 21/10/2018.