Breve história da música digital – Parte 2
A industrialização
O estudo “How the DNA of a hit has changed over 20 years” (“Como o DNA de um sucesso mudou ao longo dos 20 anos”), publicado em 2020 pela empresa Midia Research, focada na análise de tendências no mercado da música, mostrou que as canções de sucesso ficaram diferentes nos últimos anos. O estudo analisou o rank Top 10 da popular revista Billboard, nos EUA, entre julho de 2000 e julho de 2020. Os números não erram: as canções estão cada vez mais curtas. Vejamos.
No início dos anos 2000, a duração média de um sucesso era de 4 minutos e 22 segundos. Em 2020, a média era de 3 minutos e 42 segundos. A introdução das canções também foi reduzida: 13,1 segundos em 2000, contra 7,4 segundos em 2020. Por outro lado, o número médio de compositores de um sucesso teve um aumento de 67%: em 2000, eram necessários 2,4 compositores para criar um sucesso, e, em 2020, 4.
Essas mudanças estão diretamente ligadas à cultura dos serviços de streaming, pois, nesse universo, a concorrência é absurdamente grande. Assim, para aumentar as chances de chamar atenção, principalmente do público mais jovem, as músicas precisam ser mais curtas, mais simples e com capacidade de viralização. Se tiverem a capacidade de se tornarem um meme, melhor ainda.
Um outro aspecto que se destaca no estudo é o fato de que, em 2000, nenhum dos sucessos do rank tinha colaborações, ou seja, um outro artista famoso convidado a interpretar um trecho da canção. Em 2020, o “colab” tornou-se uma estratégia muito usada, com o objetivo de alcançar um público maior e mais variado, considerando os seguidores dos artistas envolvidos.
Ao que tudo indica, os músicos do presente, até por questão de sobrevivência, estão mais preocupados em agradar o algoritmo do sistema de recomendação dos serviços de streaming do que o seu público. Afinal de contas, um público pode ser descoberto ou, por que não criado, por meio da industrialização das composições. Não é necessário ser graduado em teoria musical para perceber que, musicalmente, as canções não estão apenas mais curtas, estão também mais medíocres.
Veja o aumento do número de compositores. Isso não estaria sugerindo uma linha de produção? Ora, mais pessoas trabalhando significa mais produtividade. A receita parece ser esta: letras repetitivas e previsíveis, rimas simples, poucas notas musicais, poucos instrumentos e, obviamente, músicas mais curtas. Não deu certo? Volte ao início e tente novamente, até viralizar. Não é necessário pensar em um álbum inteiro.
De fato, a industrialização das canções não é uma prática nova, pois já era comum nos anos 90. Naquela época, havia muitos artistas e bandas que seguiam as tendências das rádios e produziam exatamente aquilo que era popular, com o objetivo de fazer sucesso e surfar a onda do momento. Muitos deles foram duramente criticados por essa prática exclusivamente capitalista. Agora, na era do streaming, o que era exceção tornou-se a regra.
Apesar de ser apaixonado por rock e várias de suas vertentes, eu particularmente sinto falta das músicas pop que faziam sucesso até o fim dos anos 1990. Elas seguiam a estrutura introdução-verso-refrão-verso-refrão-ponte-refrão, sendo a ponte (também chamada de parte C), uma sacudida no ouvinte, visto que não seguia a melodia que definia a essência da canção, causando uma sensação de surpresa e êxtase ao mesmo tempo. Um exemplo disso é a icônica e atemporal Say You, Say Me (1986), do cantor e compositor Lionel Ritchie.
É uma pena, mas o imediatismo cultural, impulsionado e catalisado pelas tecnologias digitais, criou uma geração de ouvintes impacientes. Eles apenas olham para o passado e para o presente, enquanto anseiam pela próxima canção de sucesso, pelo próximo meme, pela próxima história de curtíssima metragem. Claro, desde que isso dure, no máximo, o tamanho da paciência e atenção disponível naquele momento.
Artigo publicado originalmente na coluna Fatecnologia, do Jornal de Jales, no dia 07/04/2024