Medicina preventiva e tecnologia: tudo a ver!
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), até 2050 a maioria dos países do mundo terão pelo menos ¼ da população com mais de 60 anos. De fato, nas últimas décadas, o mundo apresentou um aumento da expectativa média de vida. As pessoas estão vivendo mais, porém longevidade não quer dizer necessariamente vida saudável. Há estudos que mostram que cerca de 90% dos idosos possuem pelo menos uma doença crônica, o que exige cuidados constantes e específicos ao longo da vida.
Entre as principais doenças crônicas, podemos destacar a diabetes, osteoporose, obesidade, câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias, entre outras. Nesse contexto, os gastos com saúde pública relacionados a elas, que já são grandes, tendem a aumentar consideravelmente nos próximos anos. Assim, há grande esforço no sentido de criar tecnologias aplicadas à saúde nos mais diversos contextos, principalmente na medicina preventiva, com tecnologias e-health.
O termo e-Health (eletronic health – ou saúde eletrônica) é definido como um campo emergente da computação aplicada, cujo foco está no desenvolvimento e uso de soluções tecnológicas com o objetivo de oferecer e viabilizar serviços de saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os sistemas e-health, especialmente aqueles que utilizam tecnologias móveis e vestíveis, têm o potencial de oferecer mais acesso e mais qualidade a serviços de saúde para todos, principalmente para a população mais vulnerável economicamente.
Quando falamos de medicina preventiva, já temos diversos dispositivos e-health disponíveis no mercado, como os smartwatches (relógios inteligentes). Eles monitoram diversos sinais vitais dos usuários, tais como frequência cardíaca e qualidade do sono. Esses dispositivos também são capazes de mudar o hábito do usuário via sistemas de alertas e lembretes que avisam ao usuário quando ele precisa se exercitar, tomar água ou dormir.
Por serem capazes de capturar uma infinidade de dados dos usuários, esses dispositivos podem facilmente viabilizar aplicações de analytics (análise de dados). Por exemplo, imagine um relógio inteligente transformando seus hábitos em dados quantificáveis e enviando a um servidor de processamento remoto. Esses dados podem ser processados por algoritmos inteligentes que aprendem com seus hábitos e podem criar um perfil sobre sua saúde, fornecendo recomendações de alimentação e atividade física. Esse é o conceito de patient- centered (centralizado no paciente), por meio do qual as tecnologias poderão criar recomendações e tratamentos específicos para cada usuário.
Agora imagine outros dispositivos capturando os mais diversos dados sobre sua saúde por sensores e outros aparelhos um tanto invasivos. Por meio do constante monitoramento de sinais vitais e fluídos corporais (sangue, urina, etc.), sistemas gigantescos e complexos de e-health podem ajudar o poder público a entender a situação macro da saúde da população e, assim, criar políticas públicas que visam melhorar a saúde coletiva no longo prazo, reduzindo a incidência de doenças crônicas e desonerando os cofres públicos.
Entretanto, essa enorme quantidade de dados relacionados à saúde nas mãos do Estado, ou até mesmo da iniciativa privada, suscita uma série de questões sobre privacidade e ética, considerando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). De posse desses dados estratégicos, o Estado poderia promover reformas previdenciárias prejudiciais ao povo, enquanto a iniciativa privada poderia privar determinadas pessoas do acesso a planos de saúde.
Nesse sentido, a cultura orientada a dados, conceito que diz que todas as decisões devem ser tomadas com base em fatos, excluindo-se aspectos abstratos, pode descaracterizar os objetivos das tecnologias e-health definidos pela OMS. Mesmo assim, acredito que tais tecnologias irão promover profundas mudanças na medicina preventiva nos próximos anos. Quanto mais pessoas tiverem acesso a informação e a dispositivos específicos, melhor para a saúde coletiva. O Estado deveria estar se mobilizando em torno disso!
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 05/12/2021.