As quatro ondas da Inteligência Artificial
Uma buzzword é definida como uma nova palavra ou um novo termo que causa grande “barulho” ou “alarido” (buzz: barulho; word: palavra). Tal termo, quando surge, é frequentemente usado de maneira indiscriminada e até sensacionalista, principalmente pela mídia não especializada. Nesse sentido, a Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma buzzword há muito tempo.
De fato, a IA está presente em nossas vidas por meio de muitas aplicações práticas, algumas perceptíveis, outras nem tanto. O seu assistente pessoal, presente no seu computador ou smartphone, possui IA. Os algoritmos de recomendação de conteúdo do Youtube possuem IA. A automação de processos industriais e de negócios possui alguma tecnologia de IA. Ela está em todos os lugares!
Nesse contexto, uma das principais preocupações dos pensadores e futuristas é o quanto e/ou quando as máquinas inteligentes tornarão os trabalhadores completamente obsoletos. É certo que muitas profissões deixarão de existir, principalmente aquelas que envolvem trabalhos repetitivos e que podem ser facilmente transformados em um algoritmo. Entretanto, convém destacar que há profissões consideradas “blindadas”, enquanto muitas outras deverão surgir, apoiadas em tecnologias inteligentes que serão usadas como potencializadoras das capacidades humanas.
Para o taiwanês Kai Fu Lee, cientista da computação e pioneiro em IA, a revolução completa das máquinas inteligentes ocorrerá em quatro ondas: a IA da internet, de negócios, de percepção e, finalmente, a IA autônoma. As três primeiras ondas já estão entre nós.
A IA da internet e a de negócios estão monitorando nossos passos e nossa saúde. Elas aprendem com o nosso comportamento on-line, criam uma versão digital e previsível do nosso “eu” e modelos de negócio, selecionam currículos e beneficiários de empréstimos e nos influenciam nos aspectos político e econômico.
Por sua vez, a IA de percepção está saindo do ciberespaço, estendendo seus tentáculos até o mundo físico. Câmeras inteligentes são capazes de reconhecer nossos rostos e outros objetos, sensores são capazes de ouvir e compreender nossas vozes e outros ruídos, de identificar padrões de comportamento, prever fenômenos, entre outros. Enfim, ela está aprendendo a “enxergar” o nosso mundo e está criando para si um universo quantificado que pode ser analisado, processado e influenciado.
A IA autônoma, ainda em estado embrionário, virá por último, mas causará um impacto jamais visto na sociedade. Ela está sendo criada no interior das três primeiras ondas e será marcada pela chegada dos veículos autônomos, dos drones de entrega e vigilância, das fábricas e fazendas totalmente automatizadas, da extinção de diversas profissões e do desaparecimento de milhões de postos de trabalho.
Para o historiador israelense Yuval Noah Arari, em sua obra Homo Deus: uma breve história do amanhã (Companhia das Letras, 2016), a completa ascensão da IA poderá criar uma maciça classe de pessoas “inimpregáveis”. Note que elas não serão apenas desempregadas, mas terão suas profissões totalmente desnecessárias, visto que seus postos serão assumidos por máquinas. Enquanto alguns navegam, surfam e até sobrevoam as três primeiras ondas, muita gente não faz ideia do que está acontecendo. Quando a quarta onda chegar, o que você estará fazendo? Estará aposentado, sendo relevante profissionalmente, ou terá que depender de uma renda básica universal provida pelo Estado, considerando um possível status de “inimpregabilidade”?
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 27/06/2021.