A primeira imagem de um “buraco negro” foi revelada. E daí?
De acordo com a teoria da relatividade geral, publicada pelo célebre físico Albert Einstein em 1915, um “buraco negro” é uma região no espaço com uma quantidade de massa tão grande e concentrada que nada é capaz de escapar de sua imensurável força gravitacional, nem mesmo a luz. Daí vem o nome “buraco negro”, pois ele não emite nem reflete a luz, não sendo possível ser observado diretamente. Durante muito tempo, os buracos negros foram considerados apenas hipóteses e sua existência e propriedades já foram assuntos controversos até mesmo na comunidade científica.
Após as primeiras teorias que afirmaram a existência desses “monstros celestes” nos centros das galáxias, eles foram modelados e simulados por computador, depois foram detectados de maneira indireta, sendo observado o comportamento da matéria e da luz ao seu redor. Entretanto, uma pergunta sempre inquietou os cientistas: “como seria a imagem de algo que não se pode ver?”.
É aí que entra a tecnologia, a ciência e um enorme esforço de um conjunto de cientistas de diversos países que resultaram na primeira imagem de um buraco negro na história, apresentada oficialmente no dia 10 de abril de 2019.
Em abril de 2017, oito radiotelescópios espalhados pelo mundo apontaram seus sensores para o centro da galáxia M87, o qual, segundo especialistas, está a uma distância de 50 milhões de anos-luz da Terra. Essa rede de radiotelescópios, chamada de Telescópio de Horizonte de Eventos (EHT da sigla em inglês), possibilitou a criação de um telescópio virtual com uma lente do tamanho do diâmetro da Terra, algo impossível fisicamente.
A quantidade de informações coletada, algo em torno de 5 petabytes (5 milhões de gigabytes), foi armazenada em dezenas de discos rígidos e transportada de avião para dois centros de pesquisa: o observatório Haystack, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos EUA, e o Instituto Max Planck de Radioastronomia, na cidade de Bonn, na Alemanha.
Com essa quantidade astronômica de dados (literal e figurativamente), os pesquisadores aplicaram complexos algoritmos que traduzem diversos conceitos científicos em complexas instruções computacionais. Além da interferometria, técnica que analisa diferentes comprimentos de ondas, conceitos da computação como processamento digital de imagens, computação de alto desempenho e aprendizagem de máquina foram decisivos para esse feito histórico.
Convém ressaltar que, apesar de a mídia usar a palavra “foto”, na verdade o que foi gerado é uma imagem baseada em dados e cálculos, já que, por motivos óbvios, não é possível tirar uma “foto” de um buraco negro.
Uma das cientistas responsáveis pela criação de um dos algoritmos é Katie Bouman, professora assistente do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech). De acordo com Bouman, a imagem que surpreendeu o mundo ainda é um resultado parcial, mesmo tendo levado dois anos para ser gerada. No futuro, outros algoritmos e técnicas podem ser aplicados, combinando outros dados de diferentes tipos de observação, o que pode melhorar a qualidade da imagem e, principalmente, revelar mais sobre esses misteriosos corpos celestes.
Mas, afinal de contas, por que isso é tão importante assim? Em primeiro lugar, ao que tudo indica, Einstein estava certo novamente, visto que suas previsões matemáticas por meio da teoria da relatividade foram provadas mais uma vez. Em segundo lugar, destaca-se o poder que a computação traz à ciência com seus algoritmos capazes de prever fenômenos, simular cenários e provar teorias por meio de processamento de grandes quantidades de dados.
A imagem obtida pelo EHT é muito semelhante às imagens obtidas por Jean-Pierre Luminet, astrofísico francês responsável pela primeira simulação matemática de um buraco negro nos anos 1970. Destaca-se também que os algoritmos e técnicas criados poderão certamente ser aplicados a outras áreas do conhecimento no futuro, ajudando a resolver problemas matemáticos complexos que envolvem simulações e previsões.
A história está acontecendo diante dos nossos olhos!
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales, coluna Fatecnologia, no dia 21/04/2019.