1984: mais que uma obra literária, uma profecia (Resenha)
Sabe aqueles livros que você lê e depois fica pensando sobre o assunto abordado durante dias, semanas, meses…? Então, esse é o caso de “1984”. Escrito pelo jornalista britânico Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell (1903 – 1950) e publicado em 1949, a “distopia orwelliana”, como ficou conhecida a obra, denunciou os absurdos do totalitarismo da Era Stalin. A obra também popularizou termos como “duplipensar” (defender duas ideias opostas), “novafala” e “novilíngua” (restringir o pensamento por meio do resumo da linguagem falada e escrita), “crime de pensamento” e, o mais famoso deles: “Big Brother”. Este último termo é usado como título de um dos programas televisivos mais ridículos populares do Brasil.
Uma distopia, no sentido clássico da palavra, é uma anti-utopia. Portanto, as obras distópicas possuem características totalmente contrárias ao mundo de bem estar social e felicidade coletiva imaginado nas utopias. Nas sociedades distópicas o mal prevaleceu. Esse mal é geralmente retratado por um Estado opressor e totalitário, que escraviza a população nos mais diversos aspectos, principalmente ideológico e intelectual. Considero 1984 a primeira obra da “Trindade Distópica” que todos deveriam ler. As outras duas são “Admirável Mundo Novo” (Aldoux Huxley) e Farenheit 451 (Ray Bradbury).
“Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força” – Os Três slogans do “Partido” (1984, pág. 14)
O Estado opressor retratado em “1984” se chama Oceania e é controlado por um partido único sem nome (conhecido apenas como “O Partido”) que não permite liberdade de expressão nem individualidade. Os cidadãos não passam de “militantes religiosos” que prestam um “culto intelectual” ao Big Brother, um ditador invisível que talvez nem exista. O “Grande Irmão” é a personificação do Estado e manifesta sua onipresença por meio da “teletela”, um dispositivo presente em todos os lares, capaz de filmar o ambiente e, ao mesmo tempo, transmitir a programação oficial do governo. Dessa forma, além de ser vigiado 24 horas por dia, o cidadão é constantemente doutrinado, fazendo com que sua privacidade e o seu livre pensamento tornem-se propriedades exclusivas do Estado.
O protagonista da trama é Winston Smith, um funcionário do “Ministério da Verdade”, órgão governamental cujo objetivo é reescrever documentos históricos a fim de adequá-los aos fatos recentes. Desta forma, o partido é o detentor da verdade no passado, no presente e no futuro. Mesmo inconformado com a opressão, com as mentiras que era obrigado a escrever e, principalmente, com a falta de liberdade de expressão e escolha, Winston levava sua vida normalmente. Entretanto, após iniciar uma relação amorosa com Julia, uma militante de fachada que fingia apoiar o Partido com o objetivo de esconder sua revolta, ele tenta formar uma milícia para lutar contra o Big Brother.
“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”, rezava o lema do Partido. E com tudo isso o passado, mesmo com sua natureza alterável, jamais fora alterado. Tudo o que fosse verdade agora fora verdade desde sempre, a vida toda” – (1984, pág. 47)
Como estamos em uma distopia, obviamente o casal não obtém sucesso em sua jornada. Pior que isso, são descobertos e tem os seus planos mais do que frustrados. Assim, temos um dos finais mais tristes e impactantes de todas as obras de ficção. Quem tem simpatia por ratos passará a ter pavor depois de ler a obra.
Penso que a obra em questão é mais do que um livro, é uma profecia! É possível identificar muitas semelhanças com a nossa realidade contemporânea, dentre as quais eu destaco:
- a opressão do Estado sobre nossas vidas por meio de leis ridículas e alta carga tributária;
- o politicamente correto e a patrulha ideológica promovida por certos “movimentos sociais” e partidos políticos;
- a incoerência entre o que se prega e o que se faz (duplipensar), tão presente nas instituições governamentais e não governamentais, além de muitos dos “supostos” movivmentos sociais;
- alterar fatos do passado para manipular o presente;
- a desonestidade inteletual de muitos “formadores de opinião”;
- a ignorância da militância partidária;
- o clima de guerra e segregação sempre presente no ar, mesmo sem ser verdade e, principalmente e, se for verdade, sem saber o real motivo;
- a alteração do sentido de palavras e significados;
- entre outros….
Enfim, “1984” é um livro fantástico, daqueles que nos fazem pensar em muitos aspectos sociais, éticos e políticos que envolvem nosso cotidiano. Caso você não goste muito de ler, eu recomendo o filme. A obra possui duas adaptações para o cinema, sendo a mais recente do ano de 1984 (conveniente, não!?), estrelado por John Hurt.
Se você é amante de ficção e se interessa por questões políticas, não deixe de ler essa verdadeira profecia. Recomendo!
“Espera-se que mesmo o militante mais humilde mostre-se competente, laborioso e até inteligente dentro de certos limites, porém é necessário também que ele seja um fanático crédulo e ignorante e que nele predominem sentimentos como o medo, o ódio, a adulação e um triunfo orgiástico. Em outras palavras, é necessário que ele tenha a mentalidade adequada a um estado de guerra. Não interessa se a guerra esteja de fato ocorrendo e, visto ser impossível uma vitório decisiva, não importa se a guerra vai bem ou mal. A cisão da inteligência que o Partido exige de seus membros, e que se obtém mais facilmente numa atmosfera de guerra, é agora quase universal, mas quanto mais alto se chega na hierarquia, mais ela se acentua.” – (1984, pág. 228)
“Duplipensamento significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas” (1984, pág. 252)