Inteligência Artificial e Ressurreição Tecnológica
O seriado Black Mirror, disponível no serviço de TV via Internet Netflix, tem gerado diversas discussões acerca dos impactos que as novas tecnologias, principalmente a Inteligência Artificial e a Robótica, poderão causar num futuro não tão distante. Trata-se de uma série em que cada episódio é independente, isto é, não há uma linha do tempo nem uma trama central, assim cada um dos episódios apresenta um novo tema e personagens arquetípicos, facilmente associados às pessoas do nosso cotidiano, seguindo a mesma ideia do clássico da ficção científica “Eu Robô”, de autoria do grande escritor Isaac Asimov. Há quem diga que Black Mirror não se trata de ficção, visto que as tecnologias exploradas nos episódios já estão disponíveis, não no nível de complexidade e aplicabilidade visto na série, mas existem diversas pesquisas que podem sim tornar realidade muitas das situações inusitadas (e até mesmo bizarras) da série.
O primeiro episódio da segunda temporada, intitulado “Be Right Back” (Volto logo – em tradução livre), é impactante e, ao mesmo tempo perturbador, pois apresenta um conto de “ressurreição tecnológica”. Spoiler Alert: se você acompanha a série e ainda não viu esse episódio, recomendo que pare a leitura agora mesmo! Explico: Martha e Ash formam um belo e jovem casal que é brutalmente separado pela morte após Ash se envolver em um acidente de trânsito. Após o velório, Martha descobre que está grávida, assim, a saudade do seu marido aliada à insegurança da responsabilidade de ser mãe fazem com que ela resolva experimentar um serviço on-line de inteligência artificial capaz de colocá-la em contato com seu falecido marido. Eita!
Sim, minha primeira reação foi “eita!”, mas, após analisar o contexto tecnológico proposto, fiquei ainda mais impressionado: Ash era extremamente “conectado”, isto é, vivia nas redes sociais postando tudo a todo momento e em qualquer lugar, assim, ele deixou diversas informações pessoais na grande rede de computadores em formato de áudio, vídeo e texto. Aplicando técnicas de Inteligência Artificial, foi possível usar essas informações para criar um agente inteligente, isto é, um software capaz de simular o comportamento de Ash. Primeiro Martha falou com “Ash” usando mensagens de texto, depois fez ligações de voz e, finalmente, eis que surge um robô humanoide “clone” de Ash para a felicidade (ou não!) da jovem e insegura mãe e viúva.
Além de perturbador, o episódio levanta diversas questões éticas, morais e filosóficas. Quem somos nós afinal? Um simples amontoado de átomos arranjados de maneira aleatória que, se compreendidos, podem ser facilmente replicados e simulados? Somos totalmente substituíveis? Não há propósito em nossa existência além do que Darwin sugeriu com sua teoria evolucionista? O que é a morte? Enfim, não pretendo discutir crenças, mas são questões que sempre vêm à tona todas as vezes que nos deparamos com tecnologias que, de alguma forma, deturpam nossas convicções.
“Ah, deixa disso! É apenas ficção”. Será? No dia 1º de agosto de 2017, foi publicado no site da BBC uma matéria com o seguinte título: “Filho, cria robô virtual com a personalidade do pai para conversar com ele após sua morte”. Vale a pena a leitura.
Texto publicado originalmente no Jornal de Jales – coluna Fatecnologia – no dia 03 de setembro de 2017.
